VENTANIA

Ah como sonhava a menina...

Tudo era tão tanto

que aquilo tudo embriagava,

bambeando o que pelas ventas lhe entrava.

Era de tanto tudo,que não sabia o que agarrava.

Era de tudo tanto que no fim,

nada ficava.

Voava,voava,rodopiando em versos na estrada,

o que o vento trazia,o que a vida levava.

PALAVRA

Me encanto com palavras.Exercem sobre mim,as vezes doce,as vezes angustiante fascínio

Me lembro que  quando pequena,gostava de inventa-las,criar novos nomes para coisas conhecidas,ou dar a algumas ,um colorido diferente.

PIRES,não sei exatamente porque,mas achava PIRES uma palavra belíssima,tão bela que não cabia na simplicidade das letras,então,com muita solenidade,enchia  a alma e anunciava: PÍRIXS.Pronto,assim era melhor,mais condizente com sua imponência!

CISNE? Como assim, CISNE?Não! Uma palavra que evocava imagens tão bucólicas,o lago,a água,o sol filtrado por entre árvores majestosas...CISNE? CISNE,não. Aquela não era palavra que pudesse ser cortada tão de repente,sem aviso,de súbito,como acordar de susto. CISNEI. Cisnei com o I bem longo a sumir na imaginação,era desta forma que seria!

URUBU,ah o urubu...onde já se viu,tamanho bicho carregar nome tão bobo ? BURÚBU,grande,forte,assustador como convinha ao animal

A palavra é sempre sagrada,mas não daquele jeito chato,que afasta e mete medo,palavra é a sacrossanta alegria do brinquedo.

A palavra dita que não volta,a palavra dada,empenhada,a que machuca,a que atiça ,a que acalma,a que desorganiza.

Não existe palavra feia,mesmo as mais tortas,se se mexe daqui e dalí,logo se transformam.

Unha,unha nem parece palavra,é quase somente um som,mas...cravada a unha à carne quente,que pulsa febril  à língua molhada dos teus beijos intermitentes... Então unha virou paixão,sexo,gozo...unha é lindo!

Me encantam as palavras,me derreto por elas,me aqueço vendo-as nascer enquanto  as deito no papel e por lá me perco,adormeço numa terra distante onde tudo se faz perfeito.

 

OCASO

Todo fim de tarde o céu se agita e o cachorro assustado chora agarrado as grades do portão.

Todo fim de tarde o céu grita e voce entra mudo pela porta aberta da minha sala fria

Todo fim de tarde voce se senta e eu espero,

voce se alegra e eu olho,

voce se mexe e eu pulo.

Todo fim de tarde é angústia.

Voce sai, eu respiro.

Vem a noite de barulhos de estrelas e sonhos

Voce chega, eu me esquento,

Voce olha,passa por entre,desaparece

De novo espero...

 

NÃO

Que fez de mim minha vida?

A que caminhos me arrastou?

Por onde deixou as janelas que de ar me encheriam os pulmões?

Quem me vela enquanto morro?

Nunca soube quem sou,

Nunca me vi de perto.

Pairei perdida à borda do ato impreciso.

Esqueço,prossigo, deito o sorriso ao cansaço

do que não está,do que não foi,vazio

guardado aos braços do que jamais será.

 

MORMAÇO

O dia vai se arrastando,sem nada e com tudo.As mesmas coisas,do mesmo jeito,na mesma hora;vai me dando um cansaço de vida...não posso esquecer de perguntar para quem sabe,embora não saiba quem tem a resposta,porque quando a gente abre a boca para falar coisas ruins,elas acontecem e as boas,passam batidas...A chuva vai e a roupa volta,a chuva sai e a roupa entra e eu bailando neste estranho salão...Pintei o cabelo,não gostei,tirei,pintei de novo,não mudou nada,esqueci,desisti...Tem futebol inglês na TV,mas ando tão distante,me olhando de fora;tudo meio ridículo,meio sem gosto...Arrumei as gavetas,minha caixa de segredos estava lá;bilhetes apaixonados,cartas divertidas,umas fotos  de menina...eu era bonita de um jeito sem ser;O sorriso parece o mesmo mas não é,o de hoje está colado...Conversar com você era bom,me fazia companhia,não me deixava  olhar paro o lado,queria mais,mas...A chuva parou de novo... Sinto falta de presente,de rua,de mim...Talvez eu volte a pintar...talvez não...tem tanta coisa que eu já não sei mais como se faz...