quinta-feira, 31 de maio de 2012
DISTÂNCIA
A gente ficou tão diferente,
tua vida tão cheia
A minha ausente.
tua estrada macia
A minha vazia
Você do lado de fora
Eu só aqui dentro
Você desenhando laços
Eu sempre aos pedaços.
Eu com o tempo no rosto
Você, pelo tempo o gosto
Eu transitivo,
Você sem aposto.
sábado, 26 de maio de 2012
EU
Sou
cafona e démodé,
na
roupa,na escrita,
na
leitura e na vida.
Sempre
as voltas com clichês,
sou
previsivelmente torturada.
Não
há nada em mim que seja novo ou original,
que
espante ou provoque.
Tudo
é pouco, pequeno,
risível.
inútil
e incerto,
um
pingo no meio de coisa alguma.
Estou
sempre a partir do nada para lugar nenhum
e
quando chego,tudo se afasta.
Sou
sem graça e desconcertada,
Pouco
afeita à beleza, velha e cansada,
cheia
de delírios
de
grandezas que não são minhas.
De
meus, só os trapos
e
os pedaços,roubados a tapas
na
briga vã com o vazio.
sexta-feira, 25 de maio de 2012
Dia de chuva
Se eu soubesse menina,
quão torta seria minha sina
Se soubesse
então o que estava à frente
Não sei se
saberia fazer diferente,
gosto de pensar que sim
Gosto de pensar
que só teria acertos,
que poderia ser
gente de feitos para se orgulhar.
Não teria me
importado tanto
Teria entendido
que, de verdade,
Todo mundo é metade
Teria gostado
ou não das coisas e das pessoas
assim como estão,
sem futuro ou passado.
Não teria
pensado nem sonhado,
só teria ido,
sorrindo do amor,
da flor,da
chuva e da dor,
sem quereres,
vivendo somente
dos meus fazeres.
quinta-feira, 24 de maio de 2012
POESIA
Poesia é linha fina
De
material delicado
Que
de pedaço
Em
pedaço
junta o que
fica
rasgado
Poesia
é palavra que brinca
A
pular pedrouços
A
correr das ordens
A
deixar loucos
A
gente dura
Que
aos poucos
Se
esqueceu de
Chorar,
Desinventou
o verbo
Amar,
Não
sabe mais
Porque
está.
terça-feira, 22 de maio de 2012
O CANTEIRO DE DEUS
Somos
todos filhos da angústia, cada um a sua maneira. Alguns mergulham na própria dor,
pela manhã ao acordar e antes de, ao fim do dia, se deitar. Outros, sob pena de
se afogarem, são obrigados a chafurdar no visgo com braçadas desajeitadas que
não chegam a lugar algum; e outros a
trancam num quartinho,lá no fundo do mais profundo corredor da alma passando toda uma existência sem sequer
lembrar do que mora para os lados de lá,mas,somos todos filhos dela.
Há
aqueles cuja angústia vem do mundo, se dilaceram, minuto após minuto, pela dor
que assola a humanidade. Choram a fome, a miséria, a ferida purulenta, a exploração;
gritam a morte do planeta, vomitam ante a crueldade e o escárnio que produzem a
ganância.
Há
os que a angústia não vem do que vêem, mas, do que são. Nascem tortos, errados,
não se encaixam, não se adaptam; inaptos para o comum, o casual, o que produz o
concreto. São os que vagam a bater em portas que nunca se abrem os que carregam
sem ter porto ou parada, os que olham incrédulos seu reflexo invisível e passam
pela vida sem conquistas, orgulhos ou vitórias.
Os
que, sabiamente, escondem de si o que existe no fundo, vivem sua história
plena, fazem o que vieram fazer, nascem, crescem ,conquistam, constroem e
morrem com um sorriso nos lábios e certezas incontestáveis.
Aqueles
a quem a dor entra pelos olhos, sobra a dor de viver onde estão e a esperança
de que,um dia,seus gritos cessem e o mundo seja o jardim da dor que vem da dor
que não se tem
Aqueles
a quem a angústia é o barro que os molda e que sonham poderem também ser os que
se ferem na dor que é sua por ser alheia, lhes sobra a certeza de que a carne é
finita e a alma uma ilusão.
sábado, 19 de maio de 2012
AR
Sábado
já se prepara para partir e sempre que a noite começa a chegar, sinto saudade.
Saudade
de algo que não explico, de um sentimento que me acompanhava,
De
uma sensação que era minha quando andava pelas ruas, depois de um dia de vida.
Quando
olhava pessoas e coisas e ouvia conversas e risadas e imaginava
histórias,quando eu era só,acompanhada. Quando tinha que correr, mas o fazia
com calma, quando respirava cheiros e via cores e tinha surpresas de natal e
não era Dezembro, mas tudo era verão. Quando os sons de outros sons me enchiam
os ouvidos,
chaves,
elevadores, passos, campainha, corredores, portas, escadas,devaneios,livros, prateleiras,sonhos,
um tempo sem tempo guardado de entremeios.
sexta-feira, 18 de maio de 2012
Declaração
A quem interessar possa,
venho
por meio dessa,
declarar
minha solidão.
Peço
encarecidamente
que
alguém me de notícias
do povo da minha terra,
das
entranhas da minha paixão.
Preciso
saber das esquinas,
das
calçadas e praças,
dos
batuques do samba,
do
cheiro doce das meninas
Como
andam alguém me diga,
A
conversa macia no boteco,
A
pelada de Domingo,
O
barulho do som do mar
Quero,
mesmo por uma fresta,
O
calor do sol, a confusão das ruas
O
riso solto, os braços
Sempre
abertos,
A
alegria, magia perfeita
Desta
cidade festa.
quinta-feira, 17 de maio de 2012
ESCURO
Sinto
sono,
um
sono profundo de dormir
e
acordar noutro lugar
no
lugar,quem sabe,
onde
haja o concreto
onde
a matéria se possa tocar
Lugar
sem bruma nem sombras
Onde
os sentidos sintam
E
o sangue seja quente
Lugar
de noite e dia
De
sofás, ruas e janelas
De
suor e arrepios
Sinto
um sono profundo
De
acordar noutro lugar
quarta-feira, 16 de maio de 2012
GRITO
"AS ÚNICAS PESSOAS AUTÊNTICAS PARA MIM SÃO AS LOUCAS.
AS QUE ESTÃO LOUCAS POR VIVER, LOUCAS POR FALAR, LOUCAS POR SER SALVAS,
DESEJOSAS DE TUDO AO MESMO TEMPO, AQUELAS QUE NUNCA BOCEJAM OU DIZEM UM LUGAR
COMUM, MAS ARDEM, ARDEM, ARDEM COMO FABULOSAS VELAS ROMANAS EXPLODINDO COMO
ARANHAS ENTRE AS ESTRELAS E NO MEIO DISSO VOCÊ VÊ O CENTRO AZUL DE LUZ EXPLODIR
E TODO MUNDO GRITA Ó!" JACK KERO
Dito
assim, parece mesmo real,
Mas a tua boca não se entende.
Você tem
medo da loucura, do descontrole,
do que não se
enquadra no estereótipo pequeno
em que se diz
ser isto ou aquilo.
Gosta da segurança tranqüila
Gosta da segurança tranqüila
alcançada quando olhas o estragado
pelo buraco
torto da fechadura,
observa
encantado e desejoso mas
sem jamais
deixar-se lambuzar.
Prestas reverencias
cautelosas
do alto da sua sanidade bem equilibrada
e regada a
devaneios alheios.
Docemente lhe digo: Estás certo,meu bem
Corra,corra
dela,
enquanto puder,
Resguarde-se em
caixas perfeitas
Tranque portas
e janelas,
Excomungue-a
Não lhe permita
voz nem toque
Não a admita
por perto
Quieto, só faça
o certo,
Ou com sua boca
de escárnio
ela lhe suga a
essência,
lhe engole a
calma
lhe atira ao
longe
lhe rasga a
carne e
lhe mata.
A loucura assusta,
apavora,
derruba e
devora tudo a sua volta,
suas pontas
cortam,ferem,
desintegram a
alma e marcam o corpo.
Na loucura há
gritos e lágrimas,
gargalhadas
falsas que rasgam o espaço
como se facas afiadas fossem.
Na loucura há
dor,
medo e solidão.
segunda-feira, 14 de maio de 2012
RECORTE
De
dentro da fotografia amarelada e marcada pelos anos, te observo
a
arrastar consigo o passado indelével e o gosto dos mortos.
Te
percebo a arrumar em estantes imaginárias,
espaços
seguros que os ventos da dor
não
podem tocar
De
frente a eles, olhas tranqüilo
O
que jamais será mudado
Lá,
nada se mexe ou quebra
Nada
sangra ou grita
Tudo
é perfeito em meio ao caos
Te
agarras aos pedaços brilhantes
de
um tempo que não existe
desesperado
em busca de um raso que não há
Remexe
as lembranças emboloradas
das
feridas sagradas,
sem encostar
nos
cacos traiçoeiros
do
que te mantém inteiro
De
dentro da fotografia
amarelada
e perdida,
me
quedo cansada
a
implorar pela vida.
domingo, 13 de maio de 2012
DEVANEANDO
Quando fecho meus olhos
sob o sol,
tenho de novo vinte anos
e do alto das dunas do
barato,
namoro Ipanema num
biquíni de crochê.
Ouço Chico e Caetano,
faço História,
Uso bata indiana,
queimo incenso e outras cocitas más,
saio com um cara complicado,tenho sorriso
farto
e na parede um pôster
do Che
Quando fecho meus olhos
sob o sol,
Ainda tenho todo o
tempo do mundo,
nenhum pecado e um
milhão de sonhos
para dividir com você.
sábado, 12 de maio de 2012
INTERSEÇÃO
Da nuca desnuda
vislumbro
a delicadeza dos
contornos.
No suspiro profundo
mergulho fundo,
tocando as paredes da
alma sombria
Nas mãos trêmulas
que vasculham meu corpo
me reconheço incerta.
Na gota doce da tua
saliva
me banho a carne e
perfumo a vida.
As tuas curvas, só
tuas,
percorro ofegante,
a te sentir intenso,do
avesso,
por dentro.
Teu suor me queima,
Tua boca me invade,
Teus braços me esmagam
Num grito de dor.
Me entrego,me levo,me
bebes
sufoco, me mato,te
arrasto
me encontro,me rasgas,...
me aquieto,te acalmas...
Silêncio, torpor.
sexta-feira, 11 de maio de 2012
VACANTE
Que
estranhezas você me trás.
Não sei bem ao certo o que procuro
quando minha alma te chama
se teu corpo, teus olhos, o aconchego dos teus braços
ou a idéia torpe de que existo para além
desta janela.
Rodopio embriagada pela angústia
sem fim da tua ausência companheira
Buscando no vão da ponte de nadas
que me une a ti, um chão seguro
para passos inexistentes.
Olho abaixo o abismo e me atiro
ás suas mãos de vento
na certeza de que me vês.
Transpasso o asfalto quente
e o gosto de ferro na boca,
me lembra de quem sou
Por horas a fio mergulhada em vácuo
recolho pedaços do que me sobrou
De volta ao topo te grito
sem que a voz se faça
e como água fugidia,
por entre meus dedos decepados
tu novamente se esvai.
Não sei bem ao certo o que procuro
quando minha alma te chama
se teu corpo, teus olhos, o aconchego dos teus braços
ou a idéia torpe de que existo para além
desta janela.
Rodopio embriagada pela angústia
sem fim da tua ausência companheira
Buscando no vão da ponte de nadas
que me une a ti, um chão seguro
para passos inexistentes.
Olho abaixo o abismo e me atiro
ás suas mãos de vento
na certeza de que me vês.
Transpasso o asfalto quente
e o gosto de ferro na boca,
me lembra de quem sou
Por horas a fio mergulhada em vácuo
recolho pedaços do que me sobrou
De volta ao topo te grito
sem que a voz se faça
e como água fugidia,
por entre meus dedos decepados
tu novamente se esvai.
quinta-feira, 10 de maio de 2012
Maria Bethânia - Ciclo.wmv
Se Deus existisse,não seria Deus,mas sim Deusa e quando deixasse sua voz emergir seria esta a que ouviríamos.
Ciclo
Compositor: Caetano Veloso / Nestor de Oliveira
Passa o tempo
E a vida passa
E eu
De alma ingênua
Acredito
No sonho doce infinito
Plenitude
Enlevo e graça
Que sem tortura ou revolta
Estou cantando ao luar
Vamos dar a meia-volta
Volta e meia
Vamos dar
Depois a estrada poeirenta
Os pés sangrando em pedrouços
E apaziguando alvoroços
A alma intranquila e sedenta
Murchessem todas as flores
A correnteza das horas
As trevas sobre as auroras
Os derradeiros amores
Recordo o passado inteiro
E as voltas
Que o mundo dá
Meu limão
Meu limoeiro
Meu pé de jacarandá
E aquele ao léu do destino
Que inspirou tanto louvor
Cajueiro pequenino
Carregadinho de flor
Passa o tempo
E eu fico mudo
Ontem ainda a ciranda
Vida à toa
A trova branda
Agora envolvendo tudo
O vale nativo
Os combros
Várzea
Montanha
Leveza
Essa poeira de escombros
De que se nutre
A tristeza
Velho
Recordo o menino
Que resta de mim
Sei lá
Cajueiro pequenino
Meu pé de jacarandá
quarta-feira, 9 de maio de 2012
EUTANITHIZE
Por
favor se vá.
Não
fique não tente,
simplesmente
vá
E
quando for não se esqueça de
se
levar consigo, não deixe nada para trás.
Não
há nada que possas me dar
que
já não tenha.
Não
há nada que possas fazer por mim
que
me faça bem
Vire
as costas sem medo
e
caminhe para longe
Vá
para aonde eu não possa vê-la
Preciso
de silêncio
Vá
para aonde não me aguce
o
desejo de tê-la
É
vão
Não
fale,
não
exale perfume algum
é
ilusão
Não
faça barulho, não se mexa
demasiado,
não de passos pesados
Se
levante e vá como quem vai a esquina comprar cigarros.
terça-feira, 8 de maio de 2012
TAMBÉM
- Álvaro de Campos, 15-1-1928
-
TABACARIA
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
segunda-feira, 7 de maio de 2012
SÓ PRA VOCÊ
Saia do Caminho
Autor:
Custódio Mesquita/ Ewaldo Ruy
Junte tudo que é seu
Seu amor, seus trapinhos
Junte tudo que é seu
E saia do meu caminho
Nada tenho de meu
Mas prefiro viver sozinha
Nosso amor já morreu
E a saudade se existe é minha
Tinha até um projeto
No futuro, um dia
O nosso mesmo teto
Mas uma vida abrigaria
Fracassei novamente
E sonhei, pois sonhei em vão
E você francamente, decididamente
Não tem coração
Seu amor, seus trapinhos
Junte tudo que é seu
E saia do meu caminho
Nada tenho de meu
Mas prefiro viver sozinha
Nosso amor já morreu
E a saudade se existe é minha
Tinha até um projeto
No futuro, um dia
O nosso mesmo teto
Mas uma vida abrigaria
Fracassei novamente
E sonhei, pois sonhei em vão
E você francamente, decididamente
Não tem coração
domingo, 6 de maio de 2012
UNDÍVAGO
Meu
relógio não tem ponteiros ou números,
me
deito quando me deito,
me
levanto quando assim o faço.
Meus
olhos se abrem para o nada ou se perdem no escuro
quando
lhes convém.
Minha
existência, passo a passo, sem ir a lugar algum,
se
escorre por através,se esgueira pelo entre
como
se lufada de ar gelado fosse, a romper janelas alheias.
Sem
ver nem ser vista corre a bater portas, levantar inconveniências
e
cantar solitária em uivo continuo,agudo e inaudível.
ALMA
Sou feita de
cacos e risadas, pedaços de muitas histórias que fui juntando ao longo da
existência.
Nunca quis
muita coisa, só o simples, o básico, mas, é aí que a vida se faz nó
Visto de longe,
o subir grandes montanhas é feito Hercúleo, mas,são as pequeninas pedras no
caminho que realmente pesam.
São elas que
interrompem a trajetória, que cortam aos meios os nossos sonhos, que quebram as
lâmpadas acesas da escuridão.
A cada tropeço
em cada pedrinha, me restava um pedaçinho de história, de desejo, de sonho, que
como num quebra-cabeça desconexo eu tentava encaixar no anterior.
Uma imensa
colcha de retalhos se formou e por entre eles passeia a minha alma perdida e
cansada.
Era muita dor
para ser chorada, então, costurei no meu rosto a risada.
sábado, 5 de maio de 2012
AS SALAMANDRAS NÃO CICATRIZAM
Era um Sábado torpe, como
torpe me parecem todos os Sábados.
Me levantei um pouco
antes do dia,fui á cozinha,preparei um café e,debaixo das cobertas porque o
frio me assusta e dói,liguei a TV.
Não sou exatamente fã
de programas científicos, mas, o corte reto da pata esquerda de uma salamandra adormecida,
me chamou atenção.
Um grupo de cientistas
Americanos e Ingleses faziam pesquisas para a confecção de órgãos humanos em laboratório,
para transplantes.
Corações humanos que
não foram aceitos em transplantes, desprovidos de suas células, criavam vida e batiam dentro de enormes tubos,
bexigas de porcos que, levadas a forma de folhas, eram moídas e colocadas sobre
o ferimento aberto de um dedo perdido de um trabalhador,fazendo com que um
novo membro surgisse, com as mesmas impressões digitais.
Fiquei fascinada.
Tudo isso surgiu da
observação do poder de regeneração das salamandras e da constatação de que o
ser humano não se regenera porque cicatriza.
Neste ponto, minha
loucura já dava voltas e milhares de pensamentos me tomavam de assalto ao mesmo
tempo em que aquelas informações me invadiam
Me remeto,então,a
desconexa lenda da perfeição humana,imagem e semelhança de Deus...,me lembro
dos milhares de seres humanos que choram de dor num membro já perdido e tem no
coto o retrato perene da ausência.
Passeio pelas guerras, pela
ganância e o preconceito, pela crueldade gratuita, pelas mãos estendidas ao escárnio,
pela solidão...
Claro que em defesa da raça,
exércitos de vozes se levantarão e mesmo a minha, em algum momento também
estará lá,
“-Nós
criamos,construímos,sobrevivemos, nos adaptamos!
Tomamos conta do
planeta e do que está para além dele,escrevemos,pintamos,
esculpimos na pedra
nossa marca! Somos providos do bem maior que é a razão, somos seres racionais!”
É..., somos, mas, são
as salamandras que não cicatrizam, se reconstroem, se regeneram e seguem inteiras,
sem lembrança ou dor, sua jornada até o fim.
sexta-feira, 4 de maio de 2012
Em Vila
Feitiço da Vila
Noel Rosa
Nem sequer vacila
Ao abraçar o samba
Que faz dançar os galhos,
Do arvoredo e faz a lua,
Nascer mais cedo.
Lá, em Vila Isabel,
Quem é bacharel
Não tem medo de bamba.
São Paulo dá café,
Minas dá leite,
E a Vila Isabel dá samba.
A vila tem um feitiço sem farofa
Sem vela e sem vintém
Que nos faz bem
Tendo nome de princesa
Transformou o samba
Num feitiço descente
Que prende a gente
O sol da Vila é triste
Samba não assiste
Porque a gente implora:
"Sol, pelo amor de Deus,
não vem agora
que as morenas
vão logo embora
Eu sei tudo o que faço
sei por onde passo
paixao nao me aniquila
Mas, tenho que dizer,
modéstia à parte,
meus senhores,
Eu sou da Vila!
Saudade é igual cupim,vai devagarinho comendo o
coração da gente.
quarta-feira, 2 de maio de 2012
Amor Eira
A AMOREIRA
No fundo do meu
quintal, tenho uma Amoreira. Anda coitada meio morta meio viva,
mas, esta
lá,junto ao muro.Já me mandaram arrancar,”-Vai cair!”,mas,a deixo lá,junto ao
muro.
Aos poucos, naqueles
galhos descabelados, foram se chegando, passarinhos aos bandos.
Um casal de Maritacas,
que com berros se anuncia, a Sabiá Laranjeira de canto triste e voz macia, a
pequenina Coleira, esta me fugiu da gaiola, é mais feliz na Amoreira, milhares
de Pardais e dois Canários da Terra, um macho e uma fêmea.
Com a cabeça já
bem vermelhinha e trinado bonito, o macho me avisa todo dia, que já é hora de levantar.
A fêmea, de ar enfadado, ouve a cantoria ao seu lado, mas logo se irrita e com
bicadas no pescoço a ir voar atrás dela, o incita.
No fundo do meu
quintal, tenho uma Amoreira. Anda, coitada, meio morta meio viva, mas,a deixo
lá,junto ao muro.
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