domingo, 8 de julho de 2012

O TREM E AS HORAS


O dia clareia na janela, a manhã recoberta de nadas se anuncia
Os passos, iguais aos do dia anterior, se repetem automaticamente,
Tudo na mesma milimétrica ordem vai se sobrepondo as horas infinitas.
Uma nuvem densa e cinza encobre o sol que esparramado, endurece as roupas no varal,
Um cachorro dormindo,alheio ao mundo que o cerca,levanta o olhar a procura do calor que agora não há.
Do fogão, as borbulhas do almoço, se levantam com o vento.
Não há poesia na vida, nem doces feitos, só as coisas dispostas sem respostas a nossa frente.
A água lava em sustos, os restos do prato bem feito que até bem pouco era  possibilidade,
Na casa em silêncio, os barulhos ensurdecem a alma, as paredes, rachadas como as fissuras do rosto cansado, também desistem aos poucos.
Um carro anuncia no auto falante o preço baixo do colchão e a morte do dono da sapataria
A tarde avança mudando as cores do dia;
no relógio quebrado pendurado na divisória da cozinha, as horas nunca se movem, como a me lembrar que não há tampas nesta caixa.
O cheiro da lenha estalando no fogo inunda o ar com lembranças que nunca existiram
Lá fora, a noite de escuros e estrelas, engole o dia sem que se perceba.
O frio entra pelas frestas da madeira com sua cantiga de esquecimentos e sombras
Melhor não ter vindo, eu penso de mim,
nada teria se modificado.
Não há piedade ou tristeza só a constatação.
Melhor não ter ficado, penso novamente,
o que de mim veio,viria de outro jeito,
não nasci quem verte, nem vertente quis ser.
Melhor seria se tivesse saído enquanto caminho havia, agora não há mais o que fazer.
No teto do quarto de cores apagadas, por hoje a vida finda,
parte, mesmo ficando a minha revelia.
Um uivo corta a madrugada na mata que cercava a cidade e aquele que um dia foi, se levanta a procurar o que deixou quando partiu.
Nada mais há por lá,
nada mais há em lugar algum,
só as horas que não passam, infinitas que ficaram e a morte
que adia sua estrada a se distrair em curvas que nunca se bastam.
Estou e não irei, ao mesmo tempo em que longe, o trem apita a sua partida e o maquinista grita.
O balançar compassado e os calores do vapor põem em movimento o que não se pode mover.
Atravessa os campos cobertos pela nevoa que mansa encharca o solo.
Corre a encontrar seu destino no ponto em que saiu.
 Também ele agora é infinito.
Não há mais trem,nem horas.
Os dormentes, por entre matos e ervas daninhas,
apodrecem nos cantos vazios
e na janela o dia clareia na manhã recoberta de nadas que se anuncia.
 https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgk8lnRRH3F7DCal-k0WlQmht1h7QgDlAw6FWQM7QDBJoLwxW0xWeVEJ49__r4BSwTXptrTVAWgbTmNEIWkUwI9sgMNdgbZQ_4RaqVs98vv6uD_B7VflzZviED-iBcCknAfbBZbwCz7JKs/s1600/IMG_1682_1-trem2.jpg

  

Nenhum comentário:

Postar um comentário